segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Opinião sobre a limitação de mandatos

A propósito da limitação de mandatos
Quatro respostas à mentira
e à intoxicação ideológica
A intensa operação ideológica a propósito da limitação de mandatos está intimamente associada à campanha de descredibilização da democracia e à persistente acção para procurar desviar e iludir os principais problemas da vida política nacional.
A cobertura mediática pelos principais órgãos da comunicação social dominante, o rosário de comentadores e politólogos ao serviço da política de direita e do grande capital, as linhas de intoxicação que vêm sendo construídas revelam estar-se perante uma intensa e bem organizada operação. Assente na criminalização da política e dos políticos, explorando profusamente concepções populistas e fascizantes, alimentando suspeições sobre o exercício de cargos públicos na base da generalização de práticas e comportamentos, a campanha une nebulosas associações de carácter fascizante a agendas populistas como as do Bloco de Esquerda que vêem no ataque à democracia, uns, e na generalização da crítica aos «políticos», outros, um filão para os objectivos específicos que prosseguem. Em muitos deles a mesma observação à margem da observação de classe do exercício do poder, privilegiando a natureza pessoal no exercício dos cargos para ocultar os interesses de classe que estão presentes para lá dos indivíduos em si considerados, fingindo compromissos com a isenção ou transparência mas escondendo agendas obscuras, ambições de poder, projectos de amputação e cerceamento democrático.
No mar de falsidades em que navega esta intensa operação importa deixar reiterada não apenas a posição de princípio do PCP e as razões que a sustentam como contribuir para desconstruir o conjunto de equívocos, boçalidades e mentiras que diariamente têm sido despejadas sobre o País.
 
1. Limitação de mandatos como factor de «moralização» da política
A questão da limitação de mandatos dos presidentes de Câmara e de Junta de Freguesia, assunto recorrente e grato aos que procuram iludir os problemas cruciais da vida política e da natureza do poder, voltou de novo à actualidade.
Como sempre afirmámos a sua consagração constitui de facto uma limitação de direitos políticos que a coberto de teorizações sobre «o princípio da renovação republicana dos mandatos», despidas de qualquer fundamento sério, visaram resolver por via administrativa o que por vontade expressa das populações alguns não alcançavam. Uma limitação imposta a partir de argumentos tão pouco sérios como o da invocação da disposição dos mandatos do Presidente da República, escamoteando que, ao contrário deste, os presidentes de Câmara ou de Junta de Freguesia não só não são um órgão unipessoal, como estão sujeitos à fiscalização do órgão colegial a que pertencem e a um apertado exercício de tutela pelos organismos com competência.
Vem a propósito sublinhar que o PCP foi a única força política que manteve uma linha de coerência nesta matéria. O PSD passou de entusiasta proponente da limitação no tempo da suas maiorias absolutas com Cavaco Silva para potencial opositor da sua extensão aos presidentes dos governos regionais. O PS, de claro opositor nos tempos de Cavaco Silva para principal animador da limitação nos tempos mais recentes.

2. Limitação de mandatos e a não dependência de teias e interesses económicos
A discussão que em torno deste problema então se desenvolveu revelou, com poucas nuances, que se procurava polarizar nesta questão – limitação de mandatos dos eleitos locais – os alegados vícios do sistema político e as teias de interesses económicos que em muito os ultrapassam.
Acreditar nisso será iludir que, independentemente do papel dos indivíduos em concreto, o que determina aquelas situações é a natureza de classe e os interesses económicos que lhe estão associados. É uma pura ilusão admitir que a teia de interesses e dependências políticas, económicas e sociais não sobreviverá pela mão dos partidos que lhes dão expressão. Convém recordar que no caso muito mediatizado à época – a gestão na autarquia de Felgueiras – as matérias que estiveram em investigação correspondiam ao primeiro mandato da actual presidente nessa condição e que a explicação para a teia de ilegalidades e corrupção que envolvem aquele caso radicam na continuidade do respectivo partido (e dos interesses de classe que predominantemente assume) à frente da autarquia e não da perpetuação do mandato.
Não deixa de ser caricato que os promotores e animadores da limitação de mandatos façam do poder local o bode expiatório e o depositário de toda a suspeição, vejam num presidente de Junta de Freguesia o centro onde se tece teias de dependências políticas, económicas e sociais mas não vislumbrem a necessidade dessa limitação para um qualquer ministro que, como se sabe, circula directamente entre grupos económicos e o conselho de ministros.
 
3. A propalada contribuição para a democratização do exercício do poder
Cada um dos momentos em que se ergueu cinicamente a bandeira da limitação dos mandatos, como elemento essencial à «moralização» do exercício dos cargos públicos, foi acompanhado de propostas limitadoras do sentido democrático do funcionamento do poder local, seja com a redução significativa dos poderes das assembleias municipais seja pela presidencialização do funcionamento do órgão executivo e inerente processo de desvalorização da colegialidade. Alguns dos que defendem a limitação de mandatos por alegada margem de poder incontrolado dos presidentes de Câmara e Junta são os que em matéria de alteração do sistema eleitoral para as autarquias defendem soluções que lhes dariam um ilimitado poder pessoal e uma quase nula possibilidade de controlo democrático das funções dos presidentes das câmaras. Estes e outros que incansavelmente animam a campanha contra a política e os políticos a propósito da limitação dos mandatos autárquicos são os mesmos que ignoram e convivem com a perpetuação do poder dos que chefiam os grupos económicos e financeiros. São os mesmos que já toleram a repetição de mandatos quando estão em causa os presidentes dos governos regionais da Madeira ou dos Açores. E são até os mesmos que, apostados na perpetuação dos interesses económicos que representam e querem ver salvaguardados, podem considerar que a melhor forma é rodar caras para manter intocáveis esses mesmos interesses.
 
4. A controvérsia sobre a interpretação da lei de limitação de mandatos
A operação em curso conhece agora, com as interpretações abusivas sobre a alegada inelegibilidade para a função de presidente de Câmara já não confinada à autarquia onde exercera os mandatos anteriores, novo alento. Tratar-se-ia já não de uma limitação inaceitável de direitos políticos que a Lei por si constitui mas sim de uma expropriação plena desses mesmos direitos, uma violação grosseira do preceito constitucional que assegura a todos os cidadãos o direito de acesso a cargos públicos em condições de igualdade e liberdade.
Ancorados na falta de «clareza» da legislação visam eles próprios ditar a sua própria interpretação numa leitura extensiva violadora do princípio da proporcionalidade na sua aplicação, indo para lá dos fins que visa assegurar, substituindo-se ao legislador e violando disposições constitucionais. Sob a capa de actos de natureza jurídica visa-se sobretudo objectivos políticos a que não será alheio o silêncio do PS que, afirmando falsamente não ter candidatos abrangidos, ignora que candidaturas como o do actual presidente de Beja não seriam elegíveis caso prevalecesse a absurda interpretação que alguns sustentam (que após os dois mandatos exercidos em Mértola e o agora exercido em Beja estaria impedido), ou as dezenas de presidentes de Junta que tenciona candidatar à boleia das novas freguesias decorrentes do processo de agregação e liquidação das existentes. Um processo assente na chicana política a pretexto de actos jurídicos sem sentido, baseada em intenções de candidatura, presumindo antecipadamente o veredicto eleitoral (só em caso de ser cabeça de lista da lista vencedora se verificaria a inelegibilidade dado que não há impedimento para novo mandato na qualidade de vereador), evidenciando o absurdo de se poder continuar a exercer na mesma autarquia o mandato de eleito mas não poder ser candidato numa outra autarquia.
*
O PCP é contra a limitação de mandatos. Assumimo-lo corajosa e frontalmente mesmo perante uma campanha que não conhece regras, respeito pelo rigor ou princípios de qualquer espécie. Fazemo-lo porque não abdicamos nem abrimos espaço a projectos que agora a este pretexto, amanhã a outros, visam dar passos na liquidação de direitos democráticos. Partido de uma só palavra e uma só cara o PCP não soçobrará às pressões e calúnias, não abdicará do exercício de direitos políticos quando entender que isso serve a população e o futuro dos concelhos e freguesias. Aos que enchem a boca com loas à vontade e veredicto populares dizemos que não nos deixamos arrastar para a perigosa concepção de tornar sinónimos renovação de confiança e dos mandatos com ideia de perpetuação do poder e, sobretudo, que mesmo quando as opções populares não são as mais certas é no povo que fundamos a perspectiva e a confiança de que mais tarde ou mais cedo elas se imporão e melhor responderão aos interesses da freguesia, do concelho ou do País.
 
(Artigo de Jorge Cordeiro, publicado em Abril/2013)

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